quarta-feira, 26 de julho de 2006

É pena...

Muito bom o editorial de Helena Garrido na edição de hoje, quarta-feira, do Diário de Noticias.


É pena


Helena Garrido

Há muito tempo que o poder local deixou de ser uma "conquista" positiva da democracia. Mas só há pouco tempo começou a reparar-se nisso, graças fundamentalmente à disciplina imposta pelo Pacto de Estabilidade às finanças locais. E só agora se começa a dar os primeiros passos para criar um enquadramento legal que responsabilize os autarcas pelo dinheiro que gastam.

A nova Lei das Finanças Locais que o Governo pretende aprovar amanhã em Conselho de Ministros não é ainda a ideal. As cedências que o ministro da Administração Interna, António Costa, se prepara para fazer à Associação Nacional de Municípios afastam-na ainda mais do desejável. Mas é pelo menos um passo no sentido certo.

Um dos aspectos mais positivos da nova legislação é a possibilidade de entregar aos munícipes três pontos percentuais dos 5% de IRS que as autarquias vão receber. O ponto negativo desta orientação está no facto de não se ter ido mais longe, para que cada um de nós sinta quanto custam muitas das obras desnecessárias que se vêem pelo País.

A consignação de verbas para a educação, a saúde e a acção social, que obviamente a Associação Nacional de Municípios não quer, é outra das vertentes que merecem ser aplaudidas. Mas uma vez mais ficam aquém do desejável ao limitar esse valor a 2% das receitas. Quando as autarquias colocam, como acontece, as rotundas e as obras desnecessárias em praças e pracetas à frente do apoio às escolas, é preciso forçar a mudança de valores. Não podemos continuar a assistir a um discurso nacional que estabelece como prioridade a educação e deixar que, a nível local, pouco ou nada se faça para melhorar o funcionamento das escolas.

Num quadro destes, é pena que o Governo tenha cedido. É pena que não se mantenham os mesmos limites e restrições ao endividamento e se esteja a cair na tentação de criar um fundo de reequilibro financeiro para as autarquias em dificuldades. As autarquias precisam de regras financeiras ao nível da administração central e, no limite, deveriam respeitar restrições para a dívida equivalentes às que são impostas pelo Pacto de Estabilidade ao País.

É normal que quem até hoje teve dinheiro à borla não queira começar a pagar por ele. Mas, se queremos melhorar a qualidade da gestão autárquica, esta nova lei é apenas um pequeno passo no sentido correcto da responsabilização e da mudança da mentalidade amiga do betão de muitos autarcas. É pena não se ter ido mais longe.

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