quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Parabéns, pai

Parabéns!

Estás realmente a ficar velho. Confesso-te que já lhes vou perdendo a conta, e acho que já no ano passado te tinha dito o mesmo. É daquelas coisas invariáveis, a natureza assim o exige. Ou exigiria, eventualmente naquelas que achamos serem as condições mais normais. Não fosse essa natureza daquelas putas que nos vai sugando sem nos apercebermos, e ainda hoje te poderia dizê-lo pessoalmente. Não posso. Mas gostava.

É mais uma das incongruências com que nos deparamos diariamente. Tantas são as evoluções tecnológicas, os avanços científicos, mas não há nenhum que me faça acreditar que recebes estas minhas mensagens. Chega a ser absurdo. Chego mesmo a ter dúvidas se sabes que continuo a pensar em ti. Eu quero acreditar que sim, mas falta-me algo mais palpável que me leve a ter a certeza absoluta, o que quer que isso seja.

Sabes, aqueles factores palpáveis que me levem a acreditar que te continuas a sentar à mesa da consoada connosco, no lugar de sempre, à cabeceira. A exigir o menu de sempre. Dos teus preferidos. São dúvidas a mais para a quantidade de certezas que gostava de ter.

Mas deixemo-nos disso agora. Estou em crer que ainda podemos voltar a discutir estas coisas numa outra altura, numa outra qualquer circunstância. Afinal, hoje é o teu dia. Continuo sentado, a olhar para o telefone, à espera que me possas devolver a chamada que gostava de te ter feito, precisamente para te dar um beijo de parabéns. Gostava de acreditar que a minha espera não é em vão, que vais mesmo recriminar-me por não me ter lembrado de te telefonar. Mas lembrei. E quis telefonar. Não posso. Mas gostava.

Ahh, já me esquecia. O Francisco também te manda um beijo. Ou pelo menos estou certo que não o negaria. Sabes, há dias, o Francisco olhou para uma velha fotografia que tenho no quarto lá em casa. Na nossa casa. Reparei que franziu o sobrolho, ao jeito de quem se interroga sobre as razões verdadeiras pelas quais aquele cenário não se voltará a repetir. Estavas a segurá-lo. Debruçado sobre ele, davas-lhe daqueles beijos ternos que só tu sabias dar, daquele jeito que ele mesmo reconhecia. Era também por isso que te incluía no lote dos melhores amigos, lembras-te ? O tempo e as saudades encarregaram-se de te preservar num cantinho especial. Daqueles a que só os predestinados, apesar de tudo, têm direito. Não vivi ainda o tempo suficiente, nem as experiências suficientes para acreditar que nos voltaremos a encontrar. Estou sobretudo transformado num descrente. Tenho dúvidas. Às vezes gostava de não as ter, de ter a certeza que nos iríamos sentar, frente-a-frente, com a frontalidade que acabei por não ter. Por já não ter. E hoje é tarde.

Entre uma e outra lágrima, reconheço que perdi esse comboio. Pelo menos hoje acredito nisso. Pode ser que esteja enganado. Oxalá esteja enganado. Gostava de te poder contar tanta coisa. De poder acalmar a angustia que tenho. Gostava sobretudo de poder estar contigo ou, quanto muito, telefonar-te. E dar-te um beijo de parabéns. Na realidade quis telefonar. Não posso. Mas gostava.

7 comentários:

Anónimo disse...

Sem palavras...com um nó na garganta!!Realmente porquê comprar guerras de merda quando há coisas tão mais importantes...Oxalá estejas enganado Ricardo, oxalá que sim, que não tenhas perdido esse comboio, nem tu, nem eu, nem ninguém...não era justo que assim fosse!!!Eu acredito que ainda o vais apanhar, assim como todos nós...Um grande beijinho para ti!

Patricia disse...

Quando as palavras faltam...
Quando nos deixas sem palavras... Quando o silêncio é mais precioso do que qualquer coisa que se possa dizer nestas alturas...Deixo-te as ultimas linhas de um livro de que já te falei:

"Estou à tua espera num sítio onde as palavras já não magoam, não ferem, não sobram nem faltam. Esse sítio existe."
Inês Pedrosa in "Fazes-me Falta"


E sei e acredito que é algures nesse "sitio" que todos os dias, alguém olha por ti e pelo Francisco.

Um beijinho daqueles que transportam energia e força, com muito, muito carinho.

Anónimo disse...

Amigo, o que quer que seja que te possa dizer vai saber sempre a pouco, comparado com o que sentes.No entanto não pude deixar de me manifestar!um beijão amigo
Rb (a outra)

Petey disse...

Caríssimo, estive até agora, desde ontem, a ponderar o que escrever, uma vez que não queria deixar de comentar esta entrada mas, ao mesmo tempo, não queria aqui deixar algo que realmente não fizesse sentido. Portanto deixo-te aqui a minha mão no teu ombro. Seja como for, acho que o que interessa aqui é que saibas que te tornaste (ou sempre foste) um homem feito, daqueles de cinco estrelas, capaz de orgulhar qualquer progenitor.

Anónimo disse...

“É com os acasos que nos atiram da direita e da esquerda que urdimos o nosso destino. Acreditamos dizer o que queremos, mas é quem nos fez falar pela primeira vez que fala escondido por dentro das nossas palavras.”

Anónimo disse...

Acredita que o teu pai continua contigo. Se acreditares muito, consegues sentir a sua presença. Prometo que sentes. Acreditar sem questionar a lógica ou a racionalidade. Apenas acreditar. É a melhor forma de combater a saudade.

Santiagando disse...

Nó na garganta... voz embargada...
Devíamos, todos, expressar, assim, o nosso amor: alguns não o podem fazer, directamente, pelas mais variadas razões...