quarta-feira, 14 de junho de 2006

AJUDA: Isto é ser português ??



Tenho dúvidas. No momento em que estou a escrever, acabo de chegar de uma das minhas muitas viagens a Portalegre...são duas horas de caminho, suficientes para delinear este meu post ! É obvio que o resultado final vai dar numa dose industrial de alarvidades, mas cada um faz o que pode.

Mas como eu estava a dizer, estou com dúvidas. Pertinentes, diga-se de passagem. Afinal, que raio de coisa é essa de pátria, cultura, cidadania ? Se alguém me conseguir explicar como se eu fosse uma criança de 4 anos...ou melhor, como se eu tivesse um ecoponto igual ao que existe na rua do «Manel» eu agradeço. Digo desde já que expressões como «Estamos em época de Mundial e temos de torcer pelos rapazes», «sou tão fanático que não perco um treino em directo nas televisões e rádios», ou mesmo «A Floribela canta em português...já é bem bom» não serão consideradas válidas.

Vem isto a propósito de um acordão do Tribunal da Relação de Lisboa que recusou a nacionalidade portuguesa a uma cidadã indiana, de 33 anos, casada com um português, com dois filhos portugueses e residente em Portugal há nove anos, onde detém dois estabelecimentos comerciais porque «não provou a sua ligação afectiva à comunidade portuguesa».

Mas o que é isto da ligação afectiva à comunidade ? É dormir com todos os cidadãos de sexo masculino que existem na sua rua ? Essa ligação é suficiente ? É que o bendito juiz vai ainda mais longe, considerando que a senhora não conhece sequer a letra e a música do hino nacional e desconhece as figuras relevantes da cultura portuguesa, não conseguindo identificar sequer os principais intervenientes da vida política portuguesa, escreve o «Público». Eu lembro os mais distraidos que teve de ser um nobre cidadão brasileiro a apelar aos valores nacionais para que nos lembrassemos do que é a bandeira. Ao ponto de esse que é um verdadeiro simbolo nacional estar desfraldado nas mais diversas janelas, quiçá até ao Europeu de 2008. Afinal quem só colocou a bandeira este ano no carro deve ter sorte e a cor vermelha não deve requeimar tão cedo !

Gostava de alertar todos os que me estiverem a ler neste momento (que eu tenho a esperança que sejam pelo menos...2 pessoas...ok, uma, até porque eu vou relendo o que escrevo), que vão em breve ser sujeitos a testes muito ao género das inspecções que se fazem para a tropa. Não, não vai haver verificação testicular nem nada do género. É muito mais profundo. Afinal, ao que o «Sentido de Estado» conseguiu apurar são testes de aptidão patriotica que vão definir a caducidade, ou não, da cidadania portuguesa.

A preocupação vai sobretudo para a aptidão que todos os cidadãos legais em território nacional apresentam para o que é a cultura, os valores, os símbolos e personagens históricas do país.

Assim, da lista de condições para a manutenção da cidadania portuguesa constam aspectos como:

- a destreza com que agarra a "mine" e a bifana, e a capacidade de sincronização das duas mãos para essa árdua tarefa;
- o processo de selecção das cores dos fatos-de-treino e das camisolas de alças para o passeio dominical no shopping;
- a receita do caldo verde (o esquecimento da referência à rodela de chouriço implica a deportação automática do cidadão para o Suriname)
- a ordenação dos elementos dos DZr't segundo o número do calçado de cada um;
- noções de arrumação da viatura para uma tarde de praia, incluindo referências à orientação do fogareiro, da geleira e do rádio;

Meio a brincar meio a sério, não deixa de ser triste que o máximo garante dos nossos direitos, o Tribunal, se agarre a estes aspectos mesquinhos recusando direitos a esta cidadã.
Quantos são os naturais de Portugal que sabem a letra do hino ? quem o escreveu ? Quem foi o Afonso Henriques ? Além disso, o que acontece àqueles musicos portugueses, os tais que o Tribunal quer fazer crer que lutam pela nossa identidade nacional ( o que quer que isso seja), e que afinal só cantam em inglês ?? Em que é que contribuem para a nossa identidade ? Já agora, onde estava este juiz na passada semana quando os nacionalistas, os tais que são os "verdadeiros defensores da nossa cultura identidade nacionais», perseguiram e espancaram um sujeito de raça negra, numa atitude cobarde, gratuita, vil...

Deixo aqui mais umas linhas do acordão:

«Ouvida em declarações, oficiosamente determinadas pelo tribunal, a requerida revelou um desconhecimento absoluto da história, cultura e realidade política portuguesas. Praticamente nada sabe acerca dessas matérias, nenhum interesse ou curiosidade tendo revelado, ao longo destes anos em que passou a viver em Portugal, em tomar conhecimento com esses temas».

Não queiram deixar crescer a unha do mindinho da mão direita, a tal que serve para catar o cerumen do pavilhão auricular, e vão ver o que vos acontece...

2 comentários:

O País e o Mundo disse...

Primeiro que tudo devo elogiar a fotografia: divinal, e decido apresentar uma proposta à Srª Drª Juíza que é a de substituir a fotografia de Salazar que tem lá na sala dela pela deste ilustre português.
Talvez se consiga inspirar e ser mais correcta em futuras tomadas de decisão.
Eu sinceramente espero que apenas tenha sido destacado nos jornais parte dos motivos que levaram a tão ridículo juízo. Espero que tenha ficado oculto as características que realmente faziam sentido negar a cidadania a esta senhora indiana, tais como o facto dela ser procurada pelas autoridades indianas.
Todos temos direito a errar, mas tanto?
Devia de ser proíbido!
Eu julgo que a mulher só podia estar com a cabeça noutro sítio, como por exemplo no campeonato do mundo e inspirada pelo início dos jogos deliberou: não sabes o hino não és portuguesa!
Já agora, alguém pediu à juíza que fizesse prova que era portuguesa e que cantasse o hino?

Santiagando disse...

É isso mesmo: quantos cidadãos portugueses não sabem o hino e não conhecem a história deste país? Quantos cidadãos portugueses não são produtivos?

Espero que houvesse outros motivos para negar a cidadania à senhora e que, por estas alturas, tudo esteja já resolvido pelo melhor.

Quanto a mim, estou desgraçada:
- não bebo "mines" (nem gosto)
-não uso fato-de-treino e evito ir ao "shopping" ao domingo
- linguiça/chouriço no caldo verde é, para mim, um atentado
- nunca ouvi os DZr'T com ouvidos de ouvir
- não percebo nada de estacionamento nem ofereço dicas a ninguém sobre tal assunto e nem sei o que é isso do fogareiro, geleira e rádio na praia

Estou arrumada!
Gostei muito de ser portuguesa nestas x décadas. Foi bom, mas tenho de ir: a cidadania foi-me retirada.
Até um dia meus camaradas e atenção que podem ser os próximos.