sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Ao meu pai...

«... E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre»

Nunca como agora havia sentido algo de pessoal nas palavras Miguel Sousa Tavares. Ele porque perdeu a sua mãe, eu porque estou ainda a tentar encontrar-me depois da morte do meu pai. Só agora estou a escrever algumas linhas sobre o assunto. Confesso que já por diversas vezes me sentei em frente ao teclado para escever algo, mas nunca consegui acabar fosse o que fosse. Talvez porque a mente me é assolada com imagens, gestos, palavras, recordações que a dada altura são indissociáveis da dor.

O destino encarregou-se de fazer com que o beijo que troquei com o meu pai na noite da consoada fosse o último. Por nenhuma razão em particular, mas lembro-me que foi um carinho diferente. Aterrado sobre os lençois brancos que cobriam a cama articulada onde havia passado os últimos quatro meses, o meu pai sorriu quanto lhe afaguei o cabelo, quando me inclinei sobre a sua cabeça e com ele partilhei um prolongado beijo. Estava longe de imaginar que aquela seria a última vez que iria olhar para o meu pai para lhe dizer o quanto o Adoro !, e sei que ele me ouviu. A sua lucidez episódica permitiu que me reconhecesse antes de sair do quarto. A mim, que tal como ao meu irmão deixámos algumas vezes de pertencer ao seu mundo quando não nos reconhecia. Nem aos amigos que insistentemente o visitavam, tentando relembrar os bons velhos tempos e a cumplicidade que mantinha com alguns. Mas em vão. Os efeitos da morfina falavam já mais alto. A batalha que travou com a morte, travou-a bravamente, ainda que em agonia, até à madrugada do dia 25 quando não teve mais forças para resistir ao mal que desde Agosto lhe foi tomando conta do corpo. O toque do telefone ainda ecoa na minha cabeça. Do outro lado a enfermeira, qual mensageira do diabo, anunciava que a agonia e o sofrimento haviam terminado. Coincidência ou não, o dia amanheceu cinzento, carregado. O semblante das nuvens não era mais do que o prolongamento do meu estado de espírito. Assim há-de continuar, na certeza de que o céu ganhou uma estrela. Com orgulho digo que será sempre a estrela pela qual me guiarei muitas vezes.

Adoro-te PAI !!

4 comentários:

Anónimo disse...

AMIGO,

as nuvens passam, para que estrelas nos entrem pela alma e o seu brilho nos consolem!
E não te esqueças que logo a seguir vem o Sol com todo o seu calor e pujança!

A vida vale a pena, o seu percurso é duro, mas compensa largamente!

Aquele abraço,
LuisE

Anónimo disse...

Meu lindo, a vida faz-nos passar por alguns momentos difíceis e de angústia, talvez para que nos dias que correm consigamos dar mais valor às pequenas coisas que são realmente importantes! Sei que nada do que eu possa dizer vai aliviar a tua dor, mas lembra-te que agora tens mais um anjo que te protege e que olha por ti dia e noite, e que tenho a certeza te vai guiar pelos melhores caminhos durante a tua vida. Beijo grande e um grande abraço de uma amiga que mesmo distante espera estar no teu coração, como tu estás no meu!
Alfa ;)

Anónimo disse...

O mundo dá tantas voltas!!! Não posso deixar passar em branco (não consigo mesmo), não posso deixar de te contar, que apesar do efeito da morfina e até nos momentos de menos lucidez, que cada vez que o teu PAI falava de ti, assim como de toda a tua família, o olhos dele brilhavam... Ele tinha (e tem) 1 imenso orgulho em ti, disso estou plenamente certa.
Tenho a perdir-te desculpa por não ter conseguido ir ao funeral, mas não me conseguia despedir-me do Sr Batista assim...
Apesar das "distâncias" estou disponível pró q precisares...
Beijo grande e 1 abraço sentido na tua dor
Cristina Batista Crisanto

Santiagando disse...

Lindos sentimentos que aqui tenho lido...